por EDUARDO BAJARA
Superintendente da Cultura Penha SC
Hoje vamos nos ater à construção da Capela de São Joao Batista do Itapocoróy. Em meados do século XVIII a Região de Itapocoróy já contava com um número considerável de habitantes, famílias oriundas do norte catarinense, portugueses vicentistas, mestiços – mistura de colonizadores com indígenas – que se fixaram nestas terras com moradia, praticando provavelmente a pesca e a agricultura como forma de subsistência. O Governo Português, no Reinado de Dom João V, concentrado na Corte do Rio de Janeiro, habitualmente assistia esses novos núcleos colonizadores e demarcadores das terras de Sua Majestade com um Templo Religioso para socorrer seus habitantes no exercício de sua fé.
Foi então que Tomé da Silva Coutinho e Bento da Silva Veloso enviaram ao Rio de Janeiro um pedido, solicitando ao Bispo do Rio de Janeiro uma Autorização Real – chamada à época de “Provisão Real”, a qual foi concedida e, aos 27 de abril de 1.759, é finalmente construída a já quase tri centenária Capela.
Como diz Pedro Bersi, em seu livro “Mar e Sertão”, página 294, “Construída em alvenaria de pedra ajuntada, com argamassa de cal do mar, barro e areia, a capela de São João foi erguida sobre uma pequena elevação junto à extremidade sul da enseada de Itapocorói; a fachada principal está voltada para o mar. A volta da capela descortina-se amplo adro gramado.
Linhas retas, ao estilo colonial da época, denotam o bom gosto arquitetônico empregado na construção da capela São João Batista (Arraial de Itapocorói 1759). A Claraboia na parede frontal, os singelos adornos externos e o arco interior junto à nave principal imprimem leveza e personalidade à centenária construção. Quanto a material empregado no reboco das paredes pouco se sabe. Conchas de sambaqui, algumas ainda intactas, vieram à tona logo após o inesperado incêndio ocorrido em março de 2005. A cal do mar, ao contrário do óleo de baleira (produto extremamente caro na época) aparentemente foi o principal material empregado na argamassa das paredes de pedra bruta ajuntada. A própria igreja foi erguida sobre os restos de um imenso sambaqui”.
Essa provisão Real, constituída na época de recursos provenientes da comercialização e tributos gerados pela circulação, exportação e venda do óleo de Baleias, levou ao fato de dizerem: “foi construída com óleo de baleia”. O fato que também pode tornar inviável o uso do óleo na construção da Capela é de quê a Real Armação Baleeira de Itapocoróy se instalaria aqui apenas em 1778, quase 20 anos depois.
O meu amigo e saudoso Professor Telmo Tomio, em um de seus vários artigos, ao se referir a este fato, relata: ”Sobre a construção utilizando-se óleo de baleia, há muitos estudos sobre o assunto. Um deles, escrito pelo arquiteto Jorge Eduardo Lucena Tinoco, do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada, de Pernambuco, diz:
“O óleo de baleia é um combustível, é considerado também uma graxa e, portanto, não tem propriedades aglutinantes ou secativas como o óleo de linhaça por exemplo. Inclusive, Faraday (1791-1867) extraiu dele o Benzeno a partir dos resíduos do aquecimento desse óleo utilizado na iluminação pública (MERLO, p.1, 2012). Em estudos e testes sobre os rebocos de cal, o Centro de Estudos de Conservação Integrada não verificou nenhuma possibilidade de endurecimento numa argamassa a base de cal e areia, produzida no traço 1:3, quando adicionado o óleo da baleia. Entretanto, constatou boas propriedades hidrofugantes quando esse óleo foi aplicado após a carbonatação sobre a argamassa. Fazer impermeabilizações utilizando óleos e sabões ainda hoje é comum quando se executam revestimentos em estuque em áreas molhadas. Só que, devido ao elevado valor e às severas restrições na comercialização do óleo de baleia, o mais prático e barato é o uso de sabão. Há um estudo sobre o óleo de baleia em argamassa de cal e areia que demonstrou não ser esse óleo apropriado para compor as argamassas de revestimentos como aditivo (SANTIAGO, p.34, 2007)”.
Então, por que se criou no Brasil o mito do óleo de baleia como elemento responsável pela excelência dos rebocos antigos? Em 2005, o professor de Química do Curso de Gestão de Restauro do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada, Antônio Alves Junior, teve a oportunidade de ver nas mãos do diretor do Museu de Igarassu, um documento do final do século 18 que alude se utilizar parte do dinheiro da arrecadação dos impostos do óleo da baleia nos serviços de restauração da igreja matriz da cidade. Isso possibilitou se levantar a tese de que, a assertiva foi feito com óleo de baleia teria origem na utilização dos recursos financeiros advindos dos impostos da comercialização do óleo da baleia, o petróleo do passado. Enfim, devemos ter em mente o seguinte: A Capela de São João Batista de Itapocorói foi construída em 1759. A Armação Baleeira de Itapocorói foi instalada em 1778, portanto, 19 anos depois. Portanto, não havia extração de óleo de baleia nesta região na época da construção da capela. O óleo de baleia não faz liga com massa de cal e areia. Se trouxeram óleo de outro lugar, pode ter sido usado para impermeabilizar colunas, paredes e pedras. Talvez esse uso (de impermeabilização) tenha sido utilizado somente na construção da torre, ocorrida em 1920, mas é pouco provável.”
Diante disso tudo, não se deve afirmar que a Capela de São João Batista de Itapocorói foi construída com óleo de baleia.
Registros de Batismos, Casamentos e Óbitos
Nossos ancestrais mais remotos daqui desta região têm seus registros de batismo, casamento e óbito anotados nos antigos livros eclesiásticos dessa Capela de São João Batista do Itapocoróy, a partir de 1791. Esses livros, ou os que sobreviveram ao tempo, estão nos Arquivos Histórico-Eclesiásticos e Cúrias Diocesanas. Ao analisarmos esses registros de nossos ancestrais percebemos que eles vieram de outros lugares para cá. Percebemos famílias de pescadores paulistas (Vicentistas) que vieram para cá até o início dos anos 1800, vindos de Iguape, Cananeia, Paranaguá, São Sebastião etc. Encontramos muitas pessoas que vieram diretamente de Portugal – do continente – para cá, geralmente marinheiros. E em grande número, vamos encontrar nossos açorianos e seus descendentes, vindos de uma das freguesias classificadas como núcleos primários de colonização açoriana na província de Santa Catarina.
Como já mencionei, os registros de Nascimento/Batismo, Casamento e Óbitos eram anotados nos livros dessa Capela. Naquela época não havia cartório. Por isso, a capela de São João Batista de Itapocorói é muito importante no contexto histórico de nossas famílias luso-açorianas que foram se espalhando pelo nosso litoral e adentrando o interior. Até 1824, qualquer ato religioso entre Barra Velha e Camboriú era realizado na Capela de São João de Itapocorói. O livro mais antigo de registro de óbitos da nossa região é o da Capela de São João Batista de Itapocorói, do período de 1791-1835. Neste livro estão os nomes dos falecidos, a idade que tinham, em que lugar moravam, onde foram sepultados etc. É interessante notar que pessoas importantes eram sepultadas dentro da igreja. Vamos encontrar a indicação nos registros. Era um costume da época. No Brasil, a primeira tentativa de proibição de enterros nos templos foi através da Carta Régia nº 18, de 14 de janeiro de 1808. A ordem era clara, cidades populosas deveriam construir cemitérios extramuros. Esta lei foi esquecida, tornando-se letra morta. Nova tentativa de sua aplicação ocorreu em 1825, quando Dom Pedro I tratou pela decisão número 265, de 17 de novembro de 1825, da transferência do cemitério da matriz de Campos dos Goytacazes, na província do Rio de Janeiro, para fora da cidade conforme recomendava a Carta Régia.
A lei imperial de 1º de outubro de 1828, que instituía as câmaras municipais do Império do Brasil, regulamentou entre outras questões sobre o sepultamento fora das igrejas. Neste primeiro momento, não ocorreu uma proibição, apenas uma recomendação para instituição dos cemitérios fora dos templos e que o mesmo fosse edificado sob a tutela da autoridade eclesiástica local. Portanto, a lei não proibiu o enterro dentro das Igrejas apenas recomendou e permitiu que as Câmaras locais legislassem sobre o tema, cada vila ou cidade deveria adotar ou não a recomendação. Assim, de 1828 a 1862, seguiram outras leis imperiais tentando disciplinar o sepultamento dos mortos fora das Igrejas. O estigma do cemitério exerceu forte influência na população, que resistiu à lei imperial de 1828 e continuou com sepultamento em locais impróprios e teve seu fim definitivo somente 1927 quando o Código de Direito Canônico proibiu definitivamente esta prática. Ainda permanece na história oral e na memória das pessoas da região da Armação de Itapocorói, esse fato de pessoas serem sepultadas dentro da Igreja. No livro de óbitos da Capela de São João Batista de Itapocorói, existem entre 1791 e 1835, 62 sepultamentos realizados dentro da igreja.
Um dos primeiros – e não mais importantes – porém um dos mais significativos: “Aos 15.01.1791, aos 65 anos mais ou menos, THOMÉ DA SILVA COUTINHO, casado com Joanna de Siqueira, morador do Rio Cambri, sepultado no interior da Capela da Armação. [Foi o requerente da licença para a construção da capela em 1759].
Visconde de Taunay, em sua passagem por Itapocoróy, reverencia nossa Capela secular: “De quantas, porém, na pitoresca e hospitaleira província de Santa Catharina, merecem mais especial atenção, nenhuma há – nenhuma, por sem dúvida – que em magnificência, serenidade e amplidão, sobrepuje aquela que se goza do alto de uma antiga Feitoria destinada à Pesca das Baleias e conhecida por Armação do Itapocoróy”.
Para concluir: A Capela de São João Batista de Itapocorói, marco da fundação do povoado de Itapocorói, lugar de suma importância na história e formação da sociedade desta parte do litoral norte, foi protegida como “Bem de Preservação” pela Lei Estadual nº 5.846 de 22 de dezembro de 1.980 e foi declarada “Patrimônio Histórico do Estado de Santa Catarina” pelo Decreto Estadual nº 2.991 de 25 de junho de 1.998.
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